Arquivo de 22/12/2012

LUIZ MELODIA

L U I Z    M E L O D I A

Ali pelos anos 70, a TV Globo costumava produzir “clips” exclusivos com artistas brasileiros que exibia em primeira mão, sempre no programa FANTÁSTICO. Raramente acertava. A maioria ficava sempre brega e tosco. Agora imaginem a cena; MELODIA, já então tido como sócio remido dos “artistas malditos”, está lá na “poderosa” gravando um vídeo para sua versão de NEGRO GATO (Getúlio Cortes), tranquilo, apenas dublava sua voz enquanto aqueles cenários e fundos esquisitos entravam e saiam até que, de repente vê-se cercado por um punhado de belas mulheres rolando, fazendo caras e bocas, trajando biquínis, orelhas e maquiagens do felino em questão. Melodia parou imediatamente e negou-se àquilo! Assim já era demais! Alguém ameaçou que seria daquele jeito ou nada. Mesmo ficando claro que seria banido definitivamente da emissora, Luiz Melodia foi embora. Ficou um longo tempo fora da Globo e mesmo assim manteve sua carreira e sua credibilidade artística intactas. Claro, pode mesmo ter perdido público por não aparecer na maior rede de TV do Brasil, mas nunca se arrependeu. Construiu uma carreira perene, tranqüila e robusta, mantendo seu público fiel (prá ser sincero, não sei dizer se o “veto” já foi abolido ou não, mas agora tanto faz).

Nascido e criado no morro de São Carlos, no Estácio, Rio, filho de uma costureira e de Oswaldo Melodia, que trabalhava no cais e nas horas vagas levava o filho para tocar com ele na Igreja Batista e nas rodas de samba, onde conheceu Ismael Silva, Geraldo Pereira e a arte de Noel Rosa. Acontece que Luiz era fã da Jovem Guarda e mais tarde se encantou com Chico Buarque e o balanço do Jorge Benjor. Cabeça aberta, ligou-se também no pop internacional. Hoje, seu ídolo maior é o Chet Baker. Ainda um molecote, formou o grupo OS INSTANTÂNEOS que tocava de tudo, até samba. Logo após cumprir o Serviço Militar, apresentava-se com o violão em botecos da cidade até que um dia ao assisti-lo, Waly Salomão e Torquato Neto ouviram-no cantar sua “PÉROLA NEGRA” e resolveram mostrá-la à GAL COSTA que preparava seu disco “Gal A Todo Vapor” de 72. A cantora se apaixonou pela canção e resolveu gravá-la. E foi um sucesso, levando LUIZ MELODIA (que já então adotara o sobrenome artístico do pai) ao seu primeiro LP, com o título de sua bem sucedida canção. O disco não foi um estrondo mas, teve êxito mais entre a classe média (universitários e que tais) do que entre o povão. “Estácio Holy Estácio”, “Estácio, Eu e Você” e “Vale Quanto Pesa” são outros belos momentos.

Adiante, a poderosa gravadora SOM LIVRE o contratou. Não deu outra, o disco Maravilhas Contemporâneas teve enorme sucesso comercial, sendo ainda hoje um trabalho de qualidade superior. Do dia prá noite, as rádios executavam à exaustão o samba-delícia CONGÊNITO que se revezava com o samba-canção JUVENTUDE TRANSVIADA, que entrou na trilha da novela PECADO CAPITAL de 1976. MELODIA virou astro do primeiro time. Quem ousaria contestar, naquela época, os elogios de Caetano, Chico Buarque, Bethânia, Gal e cia bela ?
LUIZ MELODIA soava moderno, antenado. Sua música evocava todas as suas influências (samba,rock,MPB,jazz…). Cortejado como compositor e intérprete preciso mas, mesmo citando suas origens nas letras, recebeu críticas afiadas por ser do morro e fazer uma música sofisticada. O besteirol de sempre. Melodia na verdade, e provavelmente sem esta pretensão, era o mais bem acabado herdeiro do Movimento Tropicalista. Mas as críticas o afetaram de tal modo,que ele resolveu se esconder na Bahia, por um tempo. Só em 1979, voltou pro Rio e lançou outro discaço, MICO DE CIRCO. A mídia então subserviente ao Regime Militar, já o tinha carimbado como “maldito” ( tal Gonzaguinha,Mautner,Walter Franco…) e lhe fecharam portas, o que o levou aos shows, sempre com lotações esgotadas. Acho que o episódio na Globo se deu neste período.

Creio que ao final, MELODIA terminou aprovando e adotando essa sistemática. Lança discos com parcimônia, com intervalos na faixa de 3 anos (sua discografia é bem modesta em relação aos demais colegas) mas está sempre se apresentando pelo Brasil, França, Suiça, Japão, quase anualmente. Justamente por seu ecletismo como compositor, artistas como Gal, Bethânia, Cidade Negra, Skank, Dora Vergueiro, Barão Vermelho e… Ângela Maria gravaram (e gravam) suas criações, enquanto ele próprio permanece registrando clássicos como A VOZ DO MORRO, QUASE FUI LHE PROCURAR (imperdível) e TEREZA DA PRAIA (num dueto definitivo com EMÍLIO SANTIAGO) e outros mais.

Atualmente, LUIZ MELODIA continua sua bem sucedida carreira no mesmo ritmo. Devagar e sempre. Ou não foi ele quem nos ensinou: “se a gente falasse menos/talvez compreendesse mais/ teatro, boate, cinema…”