
o velho amigo de trinta anos me liga novamente,
com litros de cerveja no quengo,
animado e triste ao mesmo tempo, uma obra que só as cervejarias conseguem produzir em nossos cérebros.
preocupado o amigo, ralha de novo com o seu casamento trintão e passa a detonar um cunhado distante,
talvez uma boa obra de ficção,
pois ao que me consta o amigo é filho único,
pois vai…
anuncia ele que a irmã está vivendo há mais de uma década com um mala, mentiroso, prá lá de qualquer adjetivo,
parece crônica de Nelson Rodrigues,
a vida prevaricada, a vida como ela era,
nem sei o que dizer,
mas eu nem consigo dizer nada,
o amigo diz que a irmã descobriu uma vida inteira de traições, mentiras, abandono afetivo , abandono dos filhos,
desse cara que é , pasmem, supostamente o marido dela,
ainda.
apanhado no maior flagrante ainda saiu atirando antes de bater a porta,
desanimado o amigo diz que a irmão vai perdoar,
aí eu entro pesado,
como um rinocerante,
amigo,
em dias modernos, uma mulher independente vive assim nesse abandono, abandonando os filhos em tempo real
é porque é tão bandida quanto o homem.
cúmplica,
parceira,
tão sacana quanto o sacana.
viver dependendo da manutenção do status quo é viver num estacionamento confortável.
e na vida, digo eu ao amigo exaltado: não existem estacionamentos confortáveis.
PS – para reflexão do amigo, da irmã e de todo mundo que conheço:
Sentir-se amado
O cara diz que te ama, então tá. Ele te ama.
Sua mulher diz que te ama, então assunto encerrado.
Você sabe que é amado porque lhe disseram isso, as três palavrinhas mágicas. Mas saber-se amado é uma coisa, sentir-se amado é outra, uma diferença de milhas, um espaço enorme para a angústia instalar-se.
A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e verbalização, apesar de não sonharmos com outra coisa: se o cara beija, transa e diz que me ama, tenha a santa paciência, vou querer que ele faça pacto de sangue também?
Pactos. Acho que é isso. Não de sangue nem de nada que se possa ver e tocar. É um pacto silencioso que tem a força de manter as coisas enraizadas, um pacto de eternidade, mesmo que o destino um dia venha a dividir o caminho dos dois.
Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida, que zela pela sua felicidade, que se preocupa quando as coisas não estão dando certo, que sugere caminhos para melhorar, que coloca-se a postos para ouvir suas dúvidas e que dá uma sacudida em você, caso você esteja delirando. “Não seja tão severa consigo mesma, relaxe um pouco. Vou te trazer um cálice de vinho”.
Sentir-se amado é ver que ela lembra de coisas que você contou dois anos atrás, é vê-la tentar reconciliar você com seu pai, é ver como ela fica triste quando você está triste e como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d´água. “Lembra que quando eu passei por isso você disse que eu estava dramatizando? Então, chegou sua vez de simplificar as coisas. Vem aqui, tira este sapato.”
Sentem-se amados aqueles que perdoam um ao outro e que não transformam a mágoa em munição na hora da discussão. Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente bem-vindo, que se sente inteiro. Sente-se amado aquele que tem sua solidão respeitada, aquele que sabe que não existe assunto proibido, que tudo pode ser dito e compreendido. Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é, sem inventar um personagem para a relação, pois personagem nenhum se sustenta muito tempo. Sente-se amado quem não ofega, mas suspira; quem não levanta a voz, mas fala; quem não concorda, mas escuta.
Agora sente-se e escute: eu te amo não diz tudo.
Martha Medeiros
Curtir isso:
Curtir Carregando...