Dedicado a Mário Quintana no dia do seu aniversário.
Manhã de Shopping. Manhã de Sábado. Lido e relido o Sábado Som, pernas para o mundo. Depois dos belos comentários que enriquecem e nutrem a nossa convivência por aqui. Sempre.
Mesmo nas férias, cabe ao sábado a tarefa das coisas não cumpridas durante a semana. Vira hábito. Mesmo que se tenha o tempo esborrando nas gavetas de cada dia, o sábado é quase um empregado matinal das atividades incompletas.
Às vezes dói. Vontade de dormir mais um pouco. Vontade de nadar no nada. É…
Mas, dentro da loja de produtos naturais, quase me perco com o cenário que me deparei. Rápido como uma fuga de Bach. Um Allegro em piano rasgante. Segundos que ficaram na memória do coração que os olhos mal puderam enxergar. Um átimo. Estonteante.
Perdido no mundo dos gergelins, quinoas, farinhas de linhaça, tantas coisas boas. Ditas boas. Talvez placebos da modernidade. Alimentos funcionais. Sei lá o que é isso! Um jabá com feijão preto e farinha e pimenta é de uma funcionalidade… Dessas eu entendo. Mas Ana quer, está a fim. Estou com ela. Gosto mesmo de vê-la correr na Jaqueira enquanto eu me arrasto naquela pista. Já devidamente decifrada pelo broda Arsênio.
Quando escuto um sorriso de uma menina. Umas sílabas de contentamento na língua da felicidade infantil. Procuro saber quem é a jovem. Olho atrás de uma prateleira: é de uma luz, de uma poesia! Ela e a mãe. Trocam olhares, sorrisos, novos sorrisos e ela tem tanta beleza, que meus olhos não conseguiram ver o que outras pessoas talvez tenham visto e que eu vi depois. A menina estava sentada numa cadeira de rodas. Braços fininhos, pernas tão pequeninas! Mas uma alegria e uma vontade de viver tão intensas…
Voltei para a fila. Encaro duas jovens. Novinhas também. Com a mãe visivelmente envergonhada. Não entendia direito, pois meu giro de 180 graus ainda me deixara tonto. Ainda estava embriagado da alegria doada pela menina a todos que estavam na loja. E que dever ser assim na sua vida.
Custei a entender, a voltar para o mundo real quando o exercício de enxergar outros poemas me pôs diante de um casal de meninas adolescentes com feições de meninos, namoradas, felizes e mesmo diante de uma mãe constrangida, estavam na fila radiantes com uma dessas farinhas ditas funcionais. Abraçadas , sairam da loja de mãos dadas. Como muitas vezes saímos também com as nossas amadas e amados. Toda forma de amor vale a pena. Bituca também tem razão de montão.
Me pus logo a sair da loja assim que paguei pelas mini-compras.
Me pus a não pensar em mais nenhum poema que encontrasse pela frente.
Nâo entendia a mãe das jovens direito. Julguei-me mal. Até me senti preconceituoso por talvez ser-lhe solidário. Foi não. De certa forma eu havia praticado algo que não é da minha rotina. Os corpos falam mesmo. São poemas de todas as cores.
Mas ainda estava incompleta a minha manhã. Ainda encontrei um vizinho. Que sabemos é nosso vizinho. Por sabermos de morarmos no mesmo edifício. E apenas isso. E ele para aos nos ver e nos cumprimenta. Não conseguimos esconder nossa surpresa. Parecemos velhos conhecidos. Trocamos sorrisos. Ele quase nos abraça sem mexer as mãos. Apenas com as palavras nos despedimos ao ouví-lo dizer: – foi um prazer revê-los.
Cheguei a conclusão de quem tanto poeta neste mundo, que um simples caminhar de manhã em um lugar quase delegante à poesia ,transforma-se numa São Silvestre de encontros inesperados. E bons. E saudáveis. Maior do que qualquer alimento funcional.
PS – No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento…