O POETA MAIOR
De todos os poetas brasileiros do século XX, escolhi o mineiro Carlos Drummond de Andrade como o meu predileto.
Desde garoto, influenciado pelos meus pais, enveredei no mundo da leitura. Com naturalidade, pois irrequieto como toda criança hiperativa, não seria na base da imposição que meus pais despertariam interesse tão salutar.
Uma coisa puxou a outra, e leitor de romances, comecei a ler poesia com treze anos. Cecília Meirelles e Ferreira Gulllar foram os primeiros grandes nomes da nossa lírica com os quais dialoguei. Na imponência da Juventude, desandei a escrever versos. Queria ser um astro da Poesia Brasileira… Efusão juvenil perfeitamente compreensível, essa ânsia passou, mas o amor pelos poemas tornou-se eterno.
Aos 15 anos, debutei diante da Poesia de Carlos Drummond de Andrade. “A Rosa do Povo”, justamente o livro do vate mineiro consagrado pela crítica como obra-prima , foi o primeiro livro dele que devorei.
Aliás, tornou-se livro de cabeceira. Poemas não foram feitos para a leitura cronológica e clássica, tal qual se dá com o romance. Não há o embate do página a página. Com um exemplar de poemas nas mãos, o cidadão pode começar pelo meio, ir até o fim do livro, render-se ao começo… enfim, não há capítulo a ser ultrapassado.
Depois vieram Bandeira, Carlos Pena, Quintana, Murilo Mendes, Jorge de lima, Vinicius de Moraes, Mário e Oswald de Andrade, Augusto dos Anjos, Raul de Leoni, Schimidt, Cora Coralina, Alberto da Cunha Melo, os parnasianos, Cruz e Souza, os marginais – capitaneados por Leminsky e Chacal – e tantos outros igualmente merecedores de destaque.
Mas de Carlos Drummond de Andrade guardo uma predileção indelével. O poema “No meio do Caminho”, escrito no final da década de 20 (salvo engano, por volta de 1928), não reflete apenas um arroubo de modernidade. Considerem a época em que foi escrito. Foi um escândalo.
Os Poetas da Academia Brasileira de Letras – tiranos de uma época falida, mas que mandavam no pedaço – não poderiam jamais identificar que aqueles versos traduziam uma vivência visceral de um ser já moderno. Foi um soco no bom mocismo que contaminava a literatura belletrista de outrora.
Taxado justamente como “Urso Polar”, devido a uma aversão congênita a bajuladores e holofotes, Drummond era capaz, conforme anotou seu grande amigo João Cabral, de ser efusivo quando falava ao telefone e granítico em palavras quando diante do interlocutor. Mas sempre fiel à sua concepção de poesia, jamais deixou-se levar pelos falsos louros dos ramos do Rei.
No dia seis de agosto de 1987, já doente e desgostoso com a vida, sem escrever, viu o chão fugir aos seus pés. Sua única filha, Maria Julieta, morrera após árdua luta contra o câncer. Deposto pela dor, uma semana depois, o Poeta partiria.
Eu tinha doze anos. Mas lembro como se fosse hoje o destaque dado pelo Jornal Nacional: Cid Moreira ao dar a notícia e encerrar a matéria, levantou-se em sinal de respeito, sob a narração do poema “José”.
Por ocasião de sua morte, eu ainda não lia poemas. Drummond era apenas uma figura lendária do Brasil. Eu, apenas um garoto apaixonado por futebol e pela garota da minha sala. Depois de muitos anos, já drummondiano de carterinha, pude entender o fascínio que a poesia do mineiro exerce sobre as pessoas.
Graças ao Poeta Maior, hoje compreendo que:
“Da garrafa estilhaçada
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei.
Por entre objetos-confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora”.
Parafraseando Edilberto Coutinho sobre Carlos Pena Filho, afirmo categoriacamente: Carlos Drummond de Andrade apenas pensa que morreu.
Arsenio Meira Junior
PS – Muita água rolou desde o primeiro bate-bola no blog do Roberto. De JRN até Arsênio nós fizemos amigos pouco a pouco. A ele agradeço também o anti-ácido que colocou nas minhas palavras. Sabedoria grande para um jovem poeta. Isso é bom. Ter amigos assim. Que venham mais textos/poemas para enriquecer este espaço. Agradeço de coração. E vamos em frente que : “a vida é prá valer, a vida é prá levar, Arsênio velho camará “.