Vladimir Vladímirovitch Maiakovski
Estivesse vivo Vladímir Vladímirovitch Maiakovski estaria completando em julho último 121 anos.
Ao povo russo, ao menos ao longo de duas décadas após 1930, Maiakovski permaneceu vivo, ainda que para muitos do governo revolucionário russo sua genial poesia parecesse obscura e inatingível às massas populares do seu país.
Maiakovski nasceu em Bagdadi, ou Baghdati, segundo o Google, na Geórgia, em 7 de Julho de 1893, 19 de Julho pelo calendário ocidental. Naquela época a Geórgia era russa, e Maiakovski, teve seu início de envolvimento com a poesia e com a revolução quando foi preso, em 29 de Março de 1908, quando lutava contra as garras opressoras do Imperialismo.A tipografia onde habitualmente passava horas da sua juventude e que pregava os ideais revolucionários foi fechada e o bardo que se locomovia próximo ao local foi revistado pela polícia czarista, sendo com ele encontrada caderneta com importantes nomes de ativistas contrários ao regime imperial vigente.
Ficou preso por dois anos, aos 16 anos foi “libertado”. Falando do seu tempo de prisão deixou escrito:
“Eu, no entanto,
aprendi a amar no cárcere
…………………………………….
me enamorei da janelinha da cela 103
da “oficina de pompas fúnebres”
……………………………………..
então
por um raiozinho de sol amarelo
dançando em minha parede
teria dado todo um mundo.”
Na prisão escreveu poemas e textos diversos, e organizou um conjunto de poemas que pretendia ver transformado em livro, mas os originais foram apreendidos quando ganhou a “liberdade”.
A palavra liberdade foi aspeada mais uma vez porque ele saiu da prisão para cumprir um período de degredo, que somente não se materializou por influência de amigos e companheiros apaziguados pelo sistema.
Matriculou-se na Escola de Belas-Artes, conviveu com o Príncipe Lvov, que tentou mudar sua vontade de “crítica e agitação”.
Conselho não seguido, evidentemente, dado seu espírito irrequieto e ideais fortemente arraigados, cujos reflexos explodiriam pouco depois em sua poesia de forte tensão hiperbólica, com metáforas únicas e versos inesquecíveis (Neste vida/ morrer não é difícil/ o difícil é a vida/e seu ofício.) ou o famosa boutade: é melhor morrer de vodka do que de tédio.
Ao seguir nos estudos, combateu a linguagem acadêmica de muitos professores, aos quais apontava como decadentes e simbolistas. Costumava dizer sobre os conservadores e seguidores dos clássicos na literatura da sua época: eles “continuam a atirar ananases ao céu”.
Chegou a afirmar:
“…Que posso opor às estéticas antiquadas que me rodeiam? Por acaso a revolução não exigirá de mim que passe por uma escola séria? Fui visitar um camarada, Medvédev, que era então para mim um camarada do Partido. “Quero fazer uma arte socialista”. Meu amigo se pôs a rir às gargalhadas: “Tens os olhos maiores que a barriga”. Interrompi o trabalho de militante e me pus a estudar.”
Procurou depois completar sua instrução, de forma independente, com outros mestres, tendo se tornado amigo íntimo de Gorki. Logo funda o grupo futurista e busca, através de publicações regulares colocar suas posições e a de companheiros sobre a arte, a literatura e as ideias partidárias, sempre atacando a literatura conservadora.
Vale dizer, entretanto, que nenhum antes dele, e mesmo depois, levou a poesia engajada às lutas operárias e à vontade de melhores dias dos cidadãos simples do povo e do campesinato. Esta sua ação aguda não tem paralelo na história cultural da humanidade.
A Editora Record lançou em 2009 (salvo engano), depois de longa demora, Maiakóvski — O Poeta da Revolução (559 páginas), do russo Aleksandr Mikhailov, com prefácio de Alexei Bueno e tradução esmerada de Zoia Prestes.
No prefácio, Bueno nota “a riqueza metafórica e rítmica da poesia de Vladímir Maiakóvski, sua mestria no uso de hipérboles, seu humor cáustico, seu virtuosismo no jogo de palavras”.
Àquele leitor que não quer apenas saber os fatos da vida do poeta, recomendo três livros: Poemas, de Maiakovski, com traduções de Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos, Poesia Russa Moderna, com traduções do mesmo trio, e Antologia Poética, de Maiakovski, com tradução de E. Carrera Guerra.
Maiakovski, além da poesia, dos textos para teatro e artigos voltados à propaganda do partido da revolução, realizou inúmeras palestras e conferências. Sarcástico, não poupava os alienados.
Tinha mania de colecionar bilhetes e perguntas escritas por pessoas das platéias que lotavam para assisti-lo, nas diversas cidades em que visitava. Mas muitas vezes respondia as perguntas após a conferência, onde os poemas declamados sempre ficavam para o final. Foi um grande declamador, com uma capacidade de improviso na resposta sem igual.
Certa feita, foi questionado por alguém na platéia que lhe disse:
“__ Maiakovski, suas piadas não atingem meu entendimento.
__ É que você é uma girafa! – exclamou o poeta. – Somente uma girafa pode molhar os pés na segunda-feira e só ficar resfriada no domingo.”
Na mesma sessão um jovem mais atrevido o desafiou:
“__ Maiakovski, você nos toma a todos como idiotas, não?
__ Bem, bem… – responde Maiakovski – Por que a todos? Por enquanto só vejo um diante de mim.”
Maiakovski matou-se aos 36 anos, em 1930, quando Stálin, O senhor do poder, havia expurgado adversários de peso como Liev Trotski e enquadrava aqueles que pensavam diferentemente da ortodoxia do partido.
Por que Maiakóvski se matou, com um tiro no peito, se havia condenado o suicídio do poeta Sierguéi Iessiênin, em 1925?
Mikhailov escreve, com pertinência: “A pessoa que deixa voluntariamente a vida leva consigo o mistério de sua decisão. Nenhuma explicação (inclusive as de Maiakóvski) penetra na essência real da atitude tomada. Elas somente entreabrem a cortina sobre o segredo, mas o próprio segredo permanece escondido atrás do final triste da vida. (…) Encontramos os motivos, mas o segredo permanece em segredo”.
Há dois pontos centrais. Primeiro, a Revolução que Maiakóvski havia colaborado para criar e formular saía dos eixos e trabalhava para enquadrar, cercar e subordinar a literatura, sugerindo que só a literatura proletária era literatura.
O poeta tentou se enquadrar, cometeu algumas tentativas de poemas engajados-proletários, produziu cartazes revolucionários, mas sua criatividade, tida como excessiva e contagiante, chocava os comunistas retrógrados e não era entendida pelas massas.
Escritores geniais como Maiakóvski têm seu estoque de ingenuidade política e acreditavam que poderiam influenciar as revoluções e os políticos… Só que revoluções com inclinações genocidas tendem a devorar seus próprios filhos.
Stálin devastou milhares de escritores, operários, protéticos, enfim, quem porventura fizesse oposição à sua obsessão pelo poeder, matando-os, enviando-os para morrer no Gulag ou exilando-os. Maiakóvski avaliou errado que poderia se adaptar. Acabou rejeitado pela política da literatura proletária, mais proletária, em termos de qualidade, do que literatura.
Chegaram a boicotar a encenação de sua peça teatral Os Banhos.
O biógrafo Mikhailov diz: “…as circunstâncias de sua vida pessoal eram-lhe incontornáveis. Vivia em profundo estado de depressão e passava por uma crise de criação em face de confronto com o poder soviético, mesmo sem ainda ter a consciência do que seria no futuro, mas sentindo uma enorme pressão que privava a literatura do ar de liberdade”.
Imagine, para um criador do porte de Maiakóvski, ter de produzir uma poesia de baixa qualidade, para ser compreendido pelas maiorias e aceito pela burocracia, que ele abominava. Essa burocracia medíocre não aceitava a sua sátira, seu espírito iconoclasta, moderno e sem fronteiras.
Provavelmente, ao sentir que a Revolução não era o paraíso libertário que imaginara e infeliz no amor, roído pela depressão, Maiakovski optou por matar-se. Tinha certa consciência de que o futuro o aguardava… para entendê-lo.
Mas eis que depois de sua morte, quando não mais incomodava, Stálin – em mais um dos seus crimes – o transformou no poeta da revolução e, numa carta a Iejov, escreveu:
“Peço que dê atenção à carta de Lília Brik. Maiakóvski foi e continua sendo o melhor e mais talentoso poeta da época soviética. A indiferença com a sua obra é um crime.”
Trágico cinismo, na mais caridosa das hipóteses: Stálin, um autêntico genocida, “indignado” com um crime.
Mas com busto ou sem busto, entre lunáticos e homicidas, Maiakovski sobreviveu e redimiu uma boa parte dessa gente com a força dos seus poemas, e a força de um lirismo poucas vezes lido.
Um exemplo, ou uma lição? Eis o que o Poeta decretou para o deleite da eternidade.
“DEDUÇÃO
Não acabarão com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos e faço o juramento:
Amo firme,
fiel e verdadeiramente.”
Eis um breve retrato do mítico poeta Vladimir Vladímirovitch Maiakovski.
ARSENIO MEIRA JÚNIOR