A VIDA EM 24 FPS. POR HOULDINE NASCIMENTO.

Publicado: 29/07/2012 em Poesia

Sinais de Vida – Werner Herzog e o Cinema

 

Um dos principais nomes do cinema alemão, Werner Herzog não teve durante bom tempo grande parte de sua filmografia circulando em Portugal. Isso só se tornou possível em 2009, quando foi organizada pelo IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema Independente uma retrospectiva com a maioria dos seus trabalhos. Até agora, uma carreira de 50 anos e mais de 60 projetos rodados. Visto pelo filósofo francês Gilles Deleuze como “o mais metafísico dos autores de cinema”, o diretor possui obras que marcaram presença na história desta arte por vários motivos, casos de Fitzcarraldo, Aguirre – a cólera dos deuses e O enigma de Kaspar Hauser.

Aproveitando a ocasião, aconteceu o lançamento da edição portuguesa de Sinais de Vida – Werner Herzog e o Cinema. Originalmente publicado na Itália, em 2008, o livro traz uma longa entrevista realizada pela jornalista e crítica de cinema Grazia Paganelli com o diretor. Com a premissa de discorrer sobre a trajetória de Herzog na sétima arte, a autora também deu espaço para que ele abordasse outros assuntos por vezes polêmicos.

A disposição dos capítulos se dá sempre com um capítulo introdutório elaborado por Grazia, funcionando como uma espécie de preparativo para o trecho da entrevista que o sucede. No decorrer do texto, conhecemos os pensamentos de Herzog acerca de seus filmes. Um momento interessante é quando a jornalista lhe indaga o Manifesto de Oberhausen (1962), que surgiu no mesmo ano de Hércules (“Herakles”), seu primeiro filme. Apesar de ter recebido o convite dos realizadores envolvidos para assinar o documento que dá início ao Novo Cinema Alemão (corrente preocupada com questões político-sociais), o diretor explica por que não aceitou participar do movimento:

O Manifesto não me influenciou nada. Fui convidado para assinar, mas recusei porque não gostei da atitude deles, era muito derivativa da Nouvelle Vague francesa. Além disso, não gostava dos realizadores que estavam a organizá-lo. Sentia que não se tornariam realizadores interessantes e que a história em breve os esqueceria. Olhando para eles, fiquei logo com a impressão de que eram pessoas de talento limitado, pessoas medíocres que tentavam imitar a Nouvelle Vague. De maneira que o Manifesto não teve qualquer influência em Herakles. Tive de inventar o cinema como se fosse o inventor da câmera de filmar. (p.26)

Werner Herzog e elenco de “O enigma de Kaspar Hauser”

Outro momento discutível é o seu ponto de vista sobre atores oriundos do teatro. Grazia Paganelli chegou a perguntar por que não costuma utilizá-los. “Às vezes acontece, mas é difícil retirá-los ao mundo da representação teatral, que é completamente diferente. Quando a câmera está apenas a alguns centímetros das caras deles, a mais leve mudança é já demais e sussurrar a um nível mesmo que minimamente mais alto é completamente ridículo e incorreto. Quando vejo filmes, percebo imediatamente, mesmo à légua, se um ator vem do teatro e não acredito numa só palavra do que diz. E isto demonstra como o teatro se tornou morto, sem vida e desprovido de inspiração. Para mim, é impossível ver teatro”. (p.59)

O livro serve também para quebrar um estereótipo em torno da figura de Werner Herzog, o de “cineasta aventureiro”. Essa aura de realizador de extremos surgiu por toda a dificuldade do processo de feitura de suas obras, como em Fitzcarraldo (1982), quando um barco enorme sobe uma colina. De acordo com ele próprio, nada mais é que um “contador de histórias”.Ainda sobre ‘Fitzcarraldo’, um fato curioso relatado é que o argumento do filme foi desenvolvido durante a estadia de Herzog na casa do cineasta americano Francis Ford Coppola (“O Poderoso Chefão”, “A Conversação”, “Apocalypse Now”).

Enquanto que para o colega de profissão e amigo Wim Wenders o enquadramento se revela a parte mais importante do filme, para Herzog, o som é o elemento fundamental. “Acredito mesmo que é o elemento mais significativo na realização profissional. Não se trata apenas da música – mesmo que a música tenha muito significado nesse filme (referindo-se a ‘Hércules’) – mas como usar o som em combinação com a música”. (p.27)

 

Rainer Fassbinder, Herzog e Wim Wenders em cena do documentário para TV “Quarto 666”

Embora tivesse certa repulsa à música quando criança, chegando a não querer cantar por diversas vezes na escola, o diretor acabou criando uma paixão por esta arte, tanto que passou a encenar óperas. Ele crê numa grande proximidade entre o cinema e a música: “Sei, simplesmente, que há uma relação muito estreita entre cinema e música, algo que não existe, por outro lado, entre o cinema e a literatura ou o cinema e o teatro. Acho que me ajudou ter estado “separado” da música durante a adolescência; Porque o professor tentava forçar-me a cantar na frente dos outros alunos, me portava como uma criança ‘autista’ e recusava.” (p.175)

Não fica ausente da publicação a conturbada relação desenvolvida entre o cineasta e o seu ator preferido, Klaus Kinski, com quem dividiu um apartamento na infância. “Eu sabia naquele momento que me tornaria um diretor de cinema e iria dirigir Kinski”. (WIKIPEDIA) Werner o dirigiu em cinco longas (Aguirre, Nosferatu, Woyzeck, Fitzcarraldo e Cobra Verde). Herzog chegou, inclusive, a realizar um documentário sobre os dois, Meu melhor inimigo (1999).

Herzog e Klaus Kinski em mais um “momento de amor e ódio” em “Meu Melhor Inimigo”

 

Quem teve o privilégio de assistir a pelo menos duas ou três de suas fitas sabe que a paisagem tem um significado importantíssimo nas obras do diretor, é praticamente uma personagem. Herzog revela que ideias para alguns dos seus filmes nasceram de paisagens, como os moinhos de vento presentes em Sinais de Vida.

O livro ainda traz imagens do diretor em seus filmes, um artigo escrito por Werner para um congresso sobre artes e a filmografia completa até 2008, com ficha técnica e resumo de suas produções. A leitura de “Sinais de Vida…” se revela bastante fluída e prazerosa, servindo para conhecer de forma aprofundada este que é um dos grandes autores do cinema alemão e os bastidores dos seus trabalhos, contados por ele. Uma obra recomendada para qualquer cinéfilo!

 

Trailers

Sinais de Vida” (Lebenszeichen, 1968)

O Enigma de Kaspar Hauser” (Jeder für sich und Gott gegen alle, 1974)

Fitzcarraldo” (idem, 1982)

Meu melhor inimigo” (Mein liebster Feind – Klaus Kinski, 1999)

comentários
  1. João Carlos disse:

    Beleza Houldini.Bela dica. Tenho um primo que vai vibrar.Vou avisa-lo!

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