Marcelino Freire – de Sertânia para o mundo!

Publicado: 27/08/2009 em Poesia
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Só mais uma, por favor. Umazinha só. Aqui, à mesa. Eu estou com sede. Estou de fogo. Estou carente. Traga, urgente. Está me ouvindo? Eu pago o que for preciso.
Quanto é, meu amor?
Sei que você já fechou as portas. Do seu coração. O seu juízo em combustão. Tanta confusão na cabeça. Eu entendo. Mas suplico. Uma única, juro. Para entrar num susto. Num gole, num fôlego.
Um sentimento gostoso. A derradeira força. Eu peço. Como se pede um abraço. Um afago. Um beijo. Cavalheiro, prometo. Será a última. E não volto mais.
Não encherei o seu saco. Desaparecerei do pedaço. Você não me verá depois dessa. Rastejar para quem quer que seja. Essa agonia. Essa ladainha. Essa peleja.
Mas hoje eu necessito. Para alegrar o meu inferno. Pessoal. O trânsito que tem atropelado. O meu astral. Uma paixão que foi embora. Na boca da estrada. Essa lembrança que me mata. Feito vício. Deixa tonta a minha memória.
Agora, já.
Por que essa demora? Este desprezo? Estou com medo.
Tenho pavor. O mundo derretendo. As camadas de gelo. O sol cinza. Desta cidade de São Paulo. Ave!
Umazinha só, repito.
Aqui, ó. Sou eu.
Este farrapo humano, perdido. Em que nos tornamos. Todos juntos. A caminho do mesmo abismo. Moço, mocinha. Faz de conta de que sou um enforcado. À beira da sarjeta. Um calabouço aberto. Um buraco no concreto. Eu peço: misericórdia!
Eu tenho direito. Venha olhar você no meu olho. Esquerdo. Estou no escuro do fundo do poço. É agora ou nunca. Um gesto só. Solidário, para sempre. Você me entende?
Nem precisa ser a mais forte. Daquelas que a gente recebe. Direto da fonte. A mais gostosa, a mais quente. Não precisa ser a melhor.
De repente, aquela que você tiver. Aí, jogada. Sem valor. Esquecida na estante. Ela me serve. Na prateleira, ela me serve. Em qualquer chão de bandeja.
É essa que eu quero. Sério.
A única.
Chame o Marquinhos, o dono do bar. Eu falo com ele. Da importância que será. Neste momento em que tento escapar. De uma hecatombe. Em que tento me sustentar. Levantar os ossos. Para continuar. A luta.
Essa vida que não tem cura. Difícil de equilibrar. Eu espero. O tempo que for. E aí? Vai dar ou não vai dar? Que porre!
Para a minha alma bêbada, pô!
Uma palavrinha só resolve.
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Marcelino Freire, escritor marginal pernambucano
 
PS – Marcelino Freire alcançou fama. Mas continua o mesmo excelente poeta, escritor contista, dos bons. Li esse poema na revista Continente. Me viciei nele. Uma enriquecida dessas num fusquinha como é o meu blog é um luxo. Muito embora nem ele me conheça nem eu o conheça. Mas quem sabe nos mercados de Recife um dia eu o encontre e a gente beba umas palavras com outros bêbados anônimos…Ou nos mercados de São Paulo, Parati, Olinda, etc pei bufe e coisa e tal.
comentários
  1. Sergio Oliveira disse:

    Caro Domingos. Vc conhece Marcelino? É um grande cara. Eu tive a honra, quando morava no Recife, de representar um papel numa obra dele “O Morto vivo”, dirigida por ele mesmo antes de ri a São Paulo, como bom nordestino “buscar a vida”. Saudades desses tempos. Parabéns pela lembrança de Marcelino.

  2. Domingos Sávio disse:

    Caro Sérgio, não conheço não. Você teve esse privilégio. Fantástico. Coisa melhor não há que conhecer um bom poeta. A alma se lava e se estende. Eita Pernambuco véio bom da gota serena.

  3. Glaide disse:

    Sou prima de Marcelino …além de excelente poeta é bom filho irmão primo e amigo ..tenho grds lembraças dele quando criança q saia aki da Bahia para ir a Recife , ficar na casa dos meus tios ( pais dele ) ..saudades

  4. Domingos Sávio disse:

    Glaide, que prazer recebê-la aqui. Sinta-se em casa. O fusca é pequeno mas é nosso. Eraodito. Marcelino Freire cabra bom da gota serena. Tô sempre lá no blog dele. De vez em quando ele viaja. E muito. Passa um tempo. Atualiza. Escritor tem mais é que rodar o mundo e cuidar dos seus livros, palestras, seminários e o que rolar mais. blog é prá os zés feito eu que se atrevem a uns poemetos bufados. Mas a turma aqui é animada. Seja muito bem vinda. AMÉM. E viva Sertânia.

  5. Maluba disse:

    Nas curvas da noite e nas dobras do sol a pino sinto em meio as moitas de algarave, a resistência deste escritor Marcelino Freire,que nos babados da flor do mandacaru na céu de estrelas do agreste Pernambucano nos aponta uma alegria temporona para teimar em criar,escrever,escrever,pelo exemplo da boa literatura e pela ânsia de vomitar palavras malsãs, repletas de coragem ,de acusação da condição humana.maluba -escritora e xamã mineira de BH.

  6. Saravá Maluba. Chegastes em boa hora. Tempo bom. De renovação. O blogueiro em manutenção. Precisando mesmo de uma xamã. E mineira então, viva São Tomé das Letras. Tenho grandes amigos em BH. Cidade que me acolhe sempre com muito afeto, o jeitimineiro de ser uai. Ô coisa boa. De vez em quando alguém vê esse post do Marcelino Freire lá atrás e dá o ar da graça por aqui. Coisa boa. Obrigado. Seja bem vinda sempre. Abração.

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